Cirurgia de Alongamento Ósseo e Correção de Deformidades
O que é a cirurgia de alongamento ósseo e qual é o seu objetivo?
A cirurgia de alongamento ósseo dos membros superiores e inferiores é uma forma de distração osteogénica. Consiste no corte de uma secção de um osso, neste caso, dos braços ou pernas e no afastamento gradual das duas partes resultantes usando um equipamento chamado um fixador. No espaço resultante, vai-se formar novo osso, efetivamente tornando o osso mais longo [1].
Enquanto que o alongamento dos membros inferiores normalmente envolve a colocação de um fixador na tíbia e no fémur, nos membros superiores é apenas colocado um fixador no úmero [2].
A cirurgia de de alongamento pode ser usada para:
- Corrigir deformidades, como o genu varus;
- Aumentar a estatura.
A técnica corretiva usada para a correção das deformidades depende da deformidade e em outras complicações subjacentes. Pode consistir na inserção de um parafuso na placa de crescimento, parando o crescimento apenas de um lado do osso (chamada uma epifiodese), mas também pode consistir numa osteotomia, onde o cirurgião corta um pedaço do osso e usa fixadores para corrigir a deformidade, ou simplesmente numa distração, onde os fixadores são fixados ao osso e gradualmente puxam as articulações para a posição correta.
Que tipos de fixadores há?
Os fixadores podem ser internos ou externos e podem mesmo ser usados em conjunto. Há, também diferentes tipos de equipamentos internos e externos para o alongamento dos membros e para a correção de deformidades. Por exemplo, o fixador mais conhecido é o fixador circular externo de Ilizarov, mas também há o fixador interno PRECICE, que consiste numa cavilha comprida que aumenta de comprimento "desenroscando" uma espécie de "parafuso". O comprimento que a cavilha aumenta é controlado externamente usando ímanes poderosos (a animação de como é implantado pode ser vista aqui). O PRECICE não pode ser usado no úmero.
Fixador externo de Ilizarov (esquerda) e representação do fixador interno PRECICE (direita). Creditos: Wikimedia Commons (Ilizarov; PRECICE). |
Que deformidades podem ser corrigidas e quanto posso crescer?
O genu varus pode ser corrigido ao mesmo tempo que se alonga a tíbia e pode-se corrigir a coxa vara e a rigidez na flexão da anca (que impede que se estique a perna na totalidade) que, como consequência, reduz a lordose lombar excessiva [3, 4].
A altura que é possível ganhar é um ponto de discussão entre vários especialistas. Alguns deles, como o Dr. Paley, reportam conseguir alongamentos de até 40 cm dos membros inferiores sem complicações (mais de 50% do comprimento do osso em 3 ou 4 sessões [3, 4]). Outros defendem que não se deve aumentar mais de 50% do comprimento do osso (até 10cm), devido a alterações na taxa de crescimento das crianças após o alongamento ósseo [4, 5].
Quanto tempo demora a fazer o tratamento?
O tempo que se passa com o fixador pode variar, e para atingir mais de 10cm de altura a mais é preciso fazer mais que um tratamento (normalmente fazem-se, pelo menos, 2). Tipicamente, as crianças colocam o fixador durante 1 mês por tratamento e por centímetro alongado e os adultos colocam-no 1.5 meses (ou mais) por centímetro por tratamento, dividido em duas fazes do alongamento ósseo [6, 7]:
Fase de distração (ou de alongamento)
É a fase em que realmente se alonga o osso, onde as duas partes do osso são afastadas uma da outra. A taxa de distração pode variar, mas pode chegar a 1mm por dia. À medida que os ossos são alongados, os músculos são esticados, reduzindo gradualmente a abrangência dos movimentos, pelo que a fisioterapia é um componente essencial para o tratamento ser bem sucedido (sem perda de função), e começa assim que a pessoa sai do hospital [6].
Fase de consolidação
Quando deixam de ser feitos ajustes ao fixador começa a fase de consolidação, na qual se permite que o osso regenere com o novo comprimento. A fisioterapia continua até ao fim desta fase [6].
Que complicações posso sentir?
Há complicações relacionadas com a cirurgia em si:
- Consolidação prematura;
- Atraso ou falha na formação de osso;
- Lesões nos nervos (quando os nervos são esticados para além do seu limite);
- Contraturas musculares e articulares;
- Subluxação das articulações [8];
- Deformidades nos pés [9];
E há complicações relacionadas com os aparelhos em si:
Os fixadores externos têm elevadas taxas de complicações relacionadas com o aparelho em si, tais como: infeções à volta do local onde os pins do fixador entram na pele, rigidez das articulações e dos músculos, lesões neurovasculares e cicatrizes grandes causadas pelos pins [8, 10].
Os fixadores internos evitam a maior parte das complicações causadas pelo fixadores externos, mas podem precisar de um diâmetro mínimo para poderem ser colocados, podem partir e avariar [2, 6]. Além disso, o processo tem de ser todo ele muito bem planeado, visto que não é possível fazer alterações pós-operatórias (com a exceção da taxa de distração) [10]. No entanto, alguns fixadores internos permitem que o aparelho seja encurtado se houver necessidade, mas alguns, como o PRECICE, não podem ser usados nos membros superiores.
Quanto tempo dura a recuperação?
Como mencionado acima, o período de recuperação é cerca de um mês por centímetro, o que quer dizer que o tempo de recuperação por tratamento é cerca de 5 a 6 meses [3], mais o tempo que o osso demora a recuperar a sua força normal (2 anos) [9]. Em suma, demora cerca de 2 anos e meio.
Com que idade se pode fazer a cirurgia?
A resposta a esta pergunta é outro ponto de discussão. Embora alguns tratamentos se tenham iniciado mais cedo, a maior parte dos especialistas recomenda que se comecem por volta dos 8 anos de idade, mas com esta idade considera-se que a criança não tem a capacidade de decidir o que ele/ela quer no que toca a este assunto [4, 12]. Em vários países da Europa o processo de alongamento ósseo é iniciado aos 12 anos de idade.
Fontes
- Spiegelberg B, Parratt T, Dheerendra S, Khan W, Jennings R, Marsh D. Ilizarov principles of deformity correction. Annals of The Royal College of Surgeons of England. 2010;92(2):101-105. doi:10.1308/003588410X12518836439326.
- Paley, D. Four Segment Lengthening. Achondroplasia 2014 [cited 2017 30/11].
- Paley, D. Treatment Strategies. Achondroplasia 2014 [cited 2017 29/11].
- Donaldson J, Aftab S, Bradish C. Achondroplasia and limb lengthening: Results in a UK cohort and review of the literature. Journal of Orthopaedics. 2015;12(1):31-34. doi:10.1016/j.jor.2015.01.001.
- Song, S.H., et al., Growth disturbance after lengthening of the lower limb and quantitative assessment of physeal closure in skeletally immature patients with achondroplasia. J Bone Joint Surg Br, 2012. 94(4): p. 556-63.
- Paley, D. How Does Limb Lengthening & Deformity Correction Work? Limb Lengthening & Deformity Correction 2014 [cited 2017 29/11].
- Chilbule SK, Dutt V, Madhuri V. Limb lengthening in achondroplasia. Indian Journal of Orthopaedics. 2016;50(4):397-405. doi:10.4103/0019-5413.185604.
- Paley, D., PRECICE intramedullary limb lengthening system. Expert Rev Med Devices, 2015. 12(3): p. 231-49.
- Park, K.W., et al., Limb Lengthening in Patients with Achondroplasia. Yonsei Med J, 2015. 56(6): p. 1656-62.
- Thaller, P.H., et al., Limb lengthening with fully implantable magnetically actuated mechanical nails (PHENIX((R)))-preliminary results. Injury, 2014. 45 Suppl 1: p. S60-5.
- Wiebking U, Liodakis E, Kenawey M, Krettek C. Limb Lengthening Using the PRECICETM Nail System: Complications and Results. Archives of Trauma Research. 2016;5(4):e36273. doi:10.5812/atr.36273.
- Schiedel, F. and R. Rodl, Lower limb lengthening in patients with disproportionate short stature with achondroplasia: a systematic review of the last 20 years. Disabil Rehabil, 2012. 34(12): p. 982-7.